O dia em que vi auroras boreais


Há já algum tempo que venho a dizer que deixei de ter sonhos, em relação às viagens, e comecei a ter objetivos. Durante anos pensei que alguns destinos eram realmente de sonho, apenas concretizáveis para algumas pessoas. Tinha 12 ou 13 anos quando a minha mãe me comprou uma coleção de enciclopédias do mundo, dividida por continentes, regiões e países. Passava tardes inteiras a folhear essas páginas, a admirar as praias paradisíacas, as montanhas mais altas, as florestas mais verdejantes, os desertos mais inóspitos, as características das diversas culturas e os fenómenos naturais oriundos de algumas regiões do globo. Nessa mesma altura, com essa idade, já fazia listas intermináveis de países que queria conhecer. Pagava para ter uma dessas listas na mão agora, mas lembro-me perfeitamente de um dia pensar que precisava de 50 anos, a conhecer dois destinos por ano, para completar aquela lista. Achei que nunca iria conseguir! Cinquenta são demasiados anos para não deixar nada por ver e por fazer. Pagava mesmo para ter essa lista na mão para saber quais desses sonhos de menina já consegui concretizar e quais ainda estão por cumprir, que certamente serão bastantes!
Quando digo que deixei de ter sonhos neste campo, é porque percebi que, onde quer que queira ir e o que quer que seja que quero ver, é possível! Há destinos mais fáceis e acessíveis do que outros, mas todos, mesmo todos, são concretizáveis! E sabes quando cheguei realmente a essa conclusão? No dia em vi auroras boreais :)
Tenho-me apercebido que gosto imenso da confusão das grandes metrópoles e do ambiente citadino, mas são as paisagens naturais que mais me enchem o coração. Ver auroras boreais era só fazê-lo explodir!
A meio de 2019 esta ideia de partir numa aventura pelo Ártico começou a ganhar força e houve aqui algumas situações caricatas. Em primeiro lugar, comecei a ganhar uma paixão pelo norte da Noruega a partir do momento em que descobri as Ilhas Lofoten. Essa paixão cresceu quando o fundo do meu telemóvel mudava automaticamente para uma paisagem de lá… Estas coisas funcionam como a publicidade, vês tantas vezes que acabas por comprar! Comecei as pesquisas, mas chegar lá estava completamente fora do meu orçamento. Isso levou-me até Rovaniemi, a terra do Pai Natal, na Lapónia Finlandesa. A viagem ficava consideravelmente mais barata, mas para fazer sentido tinha de ser na altura do Natal. Então, e se fosse até Tromsø?  Tromsø é dos melhores sítios do mundo para ver as northern lights e era isso que eu queria fazer!! Pesquisei muito, muito e muito, até que consegui encontrar a ligação ideal para me levar a mais de 5 mil quilómetros de casa por um preço que considero um verdadeiro feito! Ida e volta, com saída de Lisboa e uma escala em Londres, ficou por 146€! Mais uma vez, nada mal, hein? :P
Mas bem, são precisas três coisas para teres maiores probabilidades de ver este fenómeno: céu limpo, um local escuro e atividade solar. Tens de ir para uma zona fora do ambiente luminoso da cidade, um local onde te permita ver o maior número de estrelas. Sim, se o céu estiver estrelado, é um bom indício de que, esse, pode ser o sítio certo. Quanto à atividade solar, essa acontece entre setembro e abril, mas visto ser um fenómeno natural, há dias com maior intensidade do que outros, para isso podes recorrer a alguns sites que te dão uma ajuda para perceberes para onde te deves dirigir. No entanto, eu diria que há ainda um quarto fator muito importante: a paciência! Não esperes olhar para o céu e simplesmente ver uma aurora boreal a acenar-te. Tens de aguardar por ela e fazer figas, muitas figas!
Durante a preparação para esta viagem tinha na ideia que o melhor seria alugar carro. Teria completa autonomia de me fazer à estrada e ia ficar uma verdadeira caçadora de auroras! Era uma história muito gira e teria adorado, mas nesta altura do ano as estradas estão completamente cobertas de neve e gelo. Para quem não está habituado a conduzir nestas condições não recomendo muito que o façam. Estando esta carta fora do baralho, só resta uma: fazer uma tour.
Já tinha visto imensos vídeos de pessoas que tinham feito e era uma experiência que tinha tudo a ver comigo, até porque gosto cada vez mais de fazer atividades em grupo, mas o problema estava no preço... Uma tour para ver as northern lights custa entre 95€ (a mais barata que encontrei) e vai até... Trezentos e tal euros?! Sim, por noite e por pessoa! Os valores diferem consoante o que esse pacote inclui, algumas delas têm equipamento incluído, por exemplo. Contudo, este valor não é reembolsável. O que significa que se pagares 95€ ou mais de 300€ e não vires nada, esse dinheiro era bom, mas já era!
No Natal recebi uma das melhores prendas de sempre, esta tour :) A Chasing Lights foi a primeira empresa que descobri, era a que praticava preços mais baixos e é a que recomendo (e não, ninguém me paga para a sugerir!).
Estive cinco dias em Tromsø e, logo na primeira noite, dia do meu aniversário, parti numa caminhada noturna para um sítio que um português que vive lá me recomendou. O céu estava limpo, mas poucas estrelas se viam. Tinha de tentar a minha sorte e foi o que fiz, ainda que em vão. No segundo dia era dia da tour. O encontro estava marcado para as 18h e estava muito empolgada sobre o que iria acontecer, mas, sinceramente, algo me dizia para não estar muito confiante sobre ver auroras.
A Elisa e o Sameer foram os nossos tour líderes, mas foi com ela que me identifiquei mais. Italiana, a viver em Tromsø há quatro anos. Falava de uma forma muito peculiar, em que cada frase dita era como se estivesse a transmitir o espírito natalício para as cerca de 30 pessoas que compunham o grupo. Era tão entusiasmante que era impossível não ficar com borboletas na barriga sobre o que estávamos a fazer ali. Uma das vantagens destas tours é que eles vão para onde há maior probabilidade de ver auroras boreais. Para teres noção, era suposto irmos até à Finlândia! No entanto, nessa noite, o vento soprava de sul para norte e ia trazer nuvens. O objetivo passou a ser rumar para essas zonas e chegar lá quando essas mesmas nuvens já estivessem em terras mais a norte.
Fizemos uma primeira paragem aqui, mas as condições atmosféricas não eram promissoras.



Seguimos viagem e, três horas depois do ponto de partida, parámos aqui.


Mais uma vez, a Elisa e o Sameer não encontraram bem o que queriam, mas saímos todos do autocarro para fazer uma paragem. Começámos a ter uma autêntica aula de astronomia, e logo eu que gosto tanto das estrelas e do universo! A Elisa ensinou-nos onde estavam algumas constelações, como as podíamos identificar e qual o motivo pelo qual se chamavam assim. Começou a tirar-nos fotos, com o céu bem estrelado lá atrás e, para mim, isso já estava a valer tanto a pena!


Continuou a sua explicação e preparava-se agora para tirar uma foto à via láctea quando, de repente, com um tom ainda mais entusiasmado grita “Guys, I have some good news for you! You have to see this!”. E é quando olho para a máquina fotográfica e vejo que o céu começa a apresentar uma luz verde!


As máquinas fotográficas profissionais captam muito mais luz e cor do que os nossos olhos, portanto, é mais fácil tirar uma boa foto a uma aurora boreal do que vê-la realmente. E foi isso que aconteceu... Colocámo-nos em fila e a Elisa tirou-nos uma fotografia super gira, daquelas que dão muitos likes nas redes sociais. Mas... E quê? Com o Photoshop podia facilmente ficar com uma foto semelhante àquela. Queria uma fotografia sim, mas não era para isso que tinha feito mais de 5 mil quilómetros. Fui ali para ver, com os meus olhos, as auroras boreais. Se aquele era o melhor resultado da minha caçada, então estava triste!


A fila não parava mas a verdade é que, foto após foto, se notava o verde a ficar mais intenso. Desta vez é o Sameer quem chama a atenção de toda a gente e pede para olharmos para o céu. Havia algo por ali a ganhar forma. Parecia uma pequena nuvem, muito fina e pouco densa, a crescer. Eu tinha tanta vontade de ver que achava que era o meu cérebro a pôr cor verde no céu, mas não... Numa determinada altura o verde começou a ganhar força. O rasto começou a alongar-se e sim, eu estava a ver uma aurora boreal :) estava muuuito feliz!! Era um sonho tornado realidade!!



A partir daqui as cores foram ficando cada vez mais intensas, completamente visíveis a olho nu! 


Vimos dezenas de auroras boreias! Cheguei a contar seis rasgos de luz em simultâneo a cruzar o céu! Apareciam umas e desapareciam outras, um espetáculo constante que a natureza nos estava a oferecer! Que momento tão feliz este! :) Foi uma noite repleta e completa de emoções. Para além do fenómeno em si, que só por si já vale tudo, foi também o momento de partilha com outras pessoas. É extremamente interessante conhecer outros viajantes nestas circunstâncias. Pessoas de outras pontas do mundo, a viver aquele momento connosco, que acabam por contribuir de alguma forma para ele. Não sabemos nada uns dos outros, mas temos algo em comum a partir dali. Isso tem dado muitos pontos às minhas viagens!


Ficámos horas a contemplar este fenómeno!! Foi-nos servido um chocolate quente e umas bolachinhas deliciosas :)


Entretanto chegou o momento da Elisa e o Sameer dizerem “vamos fazer uma fogueira” para colmatar os -6 graus que os termómetros registavam, uma temperatura nada má para esta altura do ano. Ficámos em roda a ouvir e a contar histórias uns dos outros, a saber de que parte do mundo tínhamos vindo para observar este fenómeno e viver esta aventura. Entretanto apercebi-me que já só restávamos uns seis a ouvir as histórias dos guias em outras caçadas. 


Pedi ao meu namorado para me tirar uma fotografia junto à fogueira, até que uma senhora americana, que viajava sozinha, disse que tirava uma aos dois. Aceitámos, claro. A Elisa, com a sua incrível disposição, diz que tem de ser ela com a sua máquina a tirar aquela foto, que ia apanhar uma grande aurora que estava nas nossas costas. Este é, sem dúvida, o meu registo preferido desta viagem! Pensava também que era a última daquela noite, mas não tinha noção do que estava para acontecer...


Quando me estou a agachar, olho para o céu e vejo um clarão enorme! Muito verde, muito intenso, como ainda não tinha visto até então! Começo a gritar para quem está à minha volta e os guias vão rapidamente chamar toda a gente que já estava no autocarro. Toda a gente tinha de ver aquilo! Na verdade, era isto, era isto que eu tanto queria ver!! 


O céu estava completamente verde, de uma forma que nunca vou conseguir descrever. Era uma aurora boreal extremamente forte, tão forte que foi possível vê-la dançar por cima das nossas cabeças! Ela estava a mexer! Não cabia em mim tamanha felicidade! Não conseguia parar de olhar e só queria gravar na minha memória o máximo que conseguisse. QUE IMAGEM DO CARAÇAS!!! 



Um senhor, também ele americano, só dizia repetidamente para mim “que grande prenda de Natal a tua”. Que grande prenda de Natal a minha!!! Que grande privilégio o meu de estar ali naquela noite!! A Natureza está para lá da nossa capacidade de invenção.


Foi um dos melhores momentos que já vivi em viagem e foi dos meus melhores objetivos concretizados. Os sonhos são para ser tornados realidade. Não te fiques apenas pela ideia. Pode demorar algum tempo, mas vais conseguir sempre concretizá-la se essa for a tua vontade! Vai, simplesmente vai :)



Agora penso: de fazer um InterRail, de ter conhecido a Islândia, de ter dormido uma noite do deserto do Sahara, a ter visto auroras boreais, a Gronelândia está a um pequeno passo :)


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