O dia em que dormi no deserto do Sahara

     


     Em 2011 estive pela primeira vez num deserto, o do Sinai, quando visitei o Egito. Provavelmente este tipo de lugares são os que mais despertam a curiosidade a nível geral. É interessante como é que um sítio que “não tem nada”, faz parte da bucket list da maioria. Acontece que este deserto é diferente da imagem mental que temos quando falamos, precisamente, de um deserto: uma imensidão de areia, com dunas perfeitamente desenhadas pelo vento. O do Sinai é um deserto com características montanhosas e rochosas, com alguma vegetação característica destes ambientes mais secos. Sem dúvida que é um lugar fascinante, mas era outro deserto o que sempre sonhei em ir...
     Recentemente parti numa aventura por Marrocos durante 10 dias. Uma viagem que ficará para sempre na minha memória por todas as experiências que vivi e pelas pessoas que se cruzaram no meu caminho. Foram dias muito intensos, com muitas emoções para digerir. Foi tão bom que faltam palavras para o descrever. Ainda assim, o momento que mais aguardava foi aquele que mais conseguiu surpreender: ir ao deserto do Sahara.
     Podia ter sido apenas uma visita de umas horas com tempo suficiente para tirar umas fotografias, recolher uma areia para recordação e partir para o próximo destino, mas não... Não foi rigorosamente nada disso! Eu dormi em “pleno” deserto do Sahara!
     Chegámos ao riad a Merzouga, uma das portas de entrada do deserto, pela hora de almoço. Fizemos um incrível passeio de 4x4 que nos deu a primeira lufada de adrenalina. Parámos num acampamento de uma família nómada que, gentilmente, nos serviu um chá de boas-vindas sobre os calorosos 47o graus que se faziam sentir na altura. Pode não fazer muito sentido, mas aquele chá a ferver acalmou um pouco a minha sede.
     Depois, partimos de dromedário em direção ao nosso acampamento, o local onde iríamos pernoitar. O percurso levou cerca de duas horas, por isso, podes ter uma ideia de que era relativamente longe. O mais incrível foi ter visto a mudança das cores e a diminuição da temperatura até ao pôr do sol que se escondia lá ao fundo nas dunas. Foi um momento fantástico, mas nada comparado ao que estava por vir...
     Quando chegámos ao acampamento era de noite e estavam muitas coisas a acontecer... Era o deserto completamente escuro. Era o céu que já fazia evidenciar centenas de pontinhos brilhantes. Era o próprio acampamento que nos acolhia com uma carpete e lanternas a mostrar o caminho, como se de um cenário de um filme se tratasse. Eram os berberes que nos recebiam com chá de menta e uma simpatia incomparável. Mas que dia era este?! Era impensável que tudo fosse acontecer desta maneira!
     Jantámos todos juntos numa das tendas. Um fantástico tagine de frango, também ele cozinhado pelos habitantes do deserto. Não deu sequer para abrandar o ritmo e pouco depois estava a festa a começar. Ao ritmo dos jambés, dos cânticos e das danças dos berberes, formou-se uma roda a tentar acompanhar os movimentos. Percebi pelas expressões faciais que os meus companheiros de viagem estavam a viver aquele momento tão intensamente como eu. Era impossível ficar indiferente àquela energia que estava ao nosso redor. Batemos tantas palmas que as mãos já doíam, mas ninguém queria parar. Cada um dançava como sabia, mas parecia que estávamos todos coordenados. É o que se chama de sintonia. Não havia como não achar que somos uns grandes sortudos por estar a viver aquele momento.
     Fui ver as estrelas. Logo eu, que gosto tanto de apreciar o céu e imaginar o que estará para lá do que consigo ver. Ali não tinha oportunidade de pensar isso, estava a ver tantas coisas! Adorava que às vezes fosse possível transferir uma memória para os olhos de outra pessoa. Devias ver o que eu vi. Certamente o céu mais estrelado de sempre! Eram milhões de pontinhos cintilantes, com a via láctea a destacar-se de todo o cenário. Não há como não esboçar um sorriso de orelha a orelha, até mesmo só de relembrar isto.
     Provavelmente dormi duas horas e, para ser sincera, se não fosse o dia longo que me esperava, não tinha dormido nenhuma. Que desperdício estar a dormir ali!! Acordei pelas 5h da manhã, tomei um banho de água fria e estava cheia de energia para o que vinha a seguir. No entanto, eu não tinha bem noção do que era... Partimos novamente de dromedário  desta vez para fazer o trajeto inverso de voltar ao riad e, pelo caminho, íamos ver o nascer do sol.
     Mais uma vez, senti a mudança da temperatura e a alteração das cores. Aos poucos tudo ia ficando cada vez mais intenso. Sem dúvida que este foi o nascer do sol mais bonito que vi até aos dias de hoje. Parámos na altura certa e o dia foi clareando. Estava um silêncio absoluto. Ao redor, um cenário de perder de vista, apenas areia dourada nas dunas que mais pareciam ser desenhadas pelo melhor dos artistas. Na verdade, não havia nada ali, mas senti que naquele momento tinha tudo, num dos locais mais inóspitos do mundo. Respirei fundo, olhei para todos os lados e desejei nunca esquecer este momento! Foi uma sensação muito forte, provavelmente das mais marcantes que já tive em viagem e que é completamente inexplicável. 
     Sou muito cética, acredito que o que tenho e vou alcançando é fruto do meu trabalho, mas neste momento dei por mim a agradecer. Não sei muito bem a quem ou ao quê, mas o que senti foi pura magia para os meus olhos e o meu coração.

     Por mim, imortalizava esta noite para poder sempre ver o começar de um novo dia e o despertar da vida. Espero nunca esquecer este momento!


*Este artigo é dedicado à Célia.

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