O dia em que andei de balão de ar quente na Capadócia


    Andar de balão de ar quente na Capadócia é uma daquelas experiências a ter pelo menos uma vez na vida. Queria-o muito, mas não o desejava com todas as minhas forças como acontece em algumas situações. Porquê? Porque há uns anos fiquei com medo de alturas e esse medo foi crescendo de uma forma que não conseguia controlar. Sempre fui uma pequena aventureira, mas agora deparo-me com barreiras que antes não existiam. Não consigo aproximar-me de sítios altos onde não exista uma proteção até ao peito, não consigo andar onde o chão é transparente ou tem ranhuras, como as pontes, não consigo sentir-me segura onde haja o perigo de cair ou onde tenha a sensação que alguém me pode empurrar. Medos são medos, não se explicam. 
    Aqui, o medo estava acima do sonho. Quando comecei a planear esta viagem comecei a ficar com ansiedade por pensar que podia falhar. É frustrante saber que à partida não conseguimos fazer alguma coisa por medo. Cheguei ao ponto de sonhar que estava na Capadócia e que ia andar de balão, mas este não era nada mais, nada menos, do que um chapéu de sol, daqueles da praia, com cadeiras suspensas, a subir por meio de uma ventoinha enquanto rodopiava... Podes imaginar que acordei nesse instante completamente transpirada! 
    Este sonho fez-me perceber que estava a ficar desconfortável com a situação, então aos poucos fui-me mentalizando de que o mais certo seria ficar em terra e já me estava a resolver interiormente com isso. Fui aceitando que estava tudo bem, não temos de conseguir fazer tudo.
    Efetivamente consegui manter este pensamento até ao dia anterior ao “Dia D”, em que tinha realmente de tomar a decisão final e fazer a minha reserva. Ainda não o disse, mas esta viagem foi diferente, foi uma viagem de grupo que eu própria organizei em parceria com a Agência Abreu. Éramos 48 aventureiros a explorar a Turquia durante 10 dias e, o apoio e motivação que o grupo me deu, sim, a mim, que estava à frente do projeto, foram cruciais para ganhar força. Esta é uma das coisas de viajar em grupo, a entreajuda. Eu sabia que tinha de tentar... Então, fiz a reserva. 

    Tal como esperado, às 4h30 da manhã, ainda a noite estava cerrada, a empresa foi buscar-nos ao hotel. Éramos 12 neste grupo, os restantes iam juntos noutro autocarro. Levaram-nos até à sede, onde nos deram chá e café. Parece que antes da pandemia ofereciam o pequeno-almoço. Não o desejava naquela altura, fiquei-me por um chá quentinho. É um pensamento completamente controverso ao que eu sou e ao que gosto de fazer, mas não nego que uma parte do meu cérebro até desejava que o vento começasse a soprar e a atividade fosse cancelada... Vá-se lá entender... Sim, andar de balão de ar quente é uma atividade tão popular quanto controlada nesta zona. Não há margem para falhas e tudo é supervisionado ao pormenor. Se as condições meteorológicas não estiverem favoráveis, os voos são imediatamente cancelados. 
    Chegou a hora de irmos para o local de preparação dos balões. Continuava muito escuro, mas já se iam vendo umas tonalidades coloridas no chão de uns lados, umas chamas a mostrar as formas dos balões de outros. As minhas pernas e as minhas mãos tremiam tanto, mas não era de frio, era o nervosismo que se estava a apoderar de mim. Quando chegámos ao pé do nosso balão e o vejo a começar a encher, é que me caiu a ficha. Eu ia mesmo meter-me dentro de um cesto e andar tão alto?! Ainda não tinha a certeza, mas estava ali. Engraçado ou não, é que para ficar com ar, o balão é insuflado por uma ventoinha... Ainda bem que o meu pesadelo não me veio à cabeça nessa altura.

    À medida que o dia vai clareando, os primeiros balões vão subindo. Acontece tudo em sintonia, de forma tão calma, como se todos os elementos estivessem cruzados para aquele fenómeno acontecer. A partir daqui fui eu que disse ao medo para ficar em terra, porque eu ia voar! Eu sabia que não podia perder isto. 

    A luz foi afastando o breu e mostrando a paisagem que nos rodeava. Uau... Nunca tinha visto nada assim! São formações rochosas, com formas tão peculiares como belas. E lá vão mais balões a subir. Em contagem decrescente, já com o balão bem cheio, quatro ou cinco homens dão-lhe meia volta e ele fica em pé. Entrámos lá para dentro, quatro em cada cesto, num total de oito cestos, que dá trinta e duas pessoas. Vi onde me podia agarrar e ao mesmo tempo tento ficar o mais afastada possível da borda. Se conseguisse manter-me ali quieta já via muitas coisas, era o suficiente e para mim estava bom assim. Depois de lançarem umas quantas chamas seguidas o balão começa a levitar. E sabes que mais? Não me apercebi dele sair do chão. Uau... Não senti nada, não dei conta de nada e estava a voar! Demasiado cedo para fazer a festa? Acho que não... Soltei as mãos das cordas onde rigidamente estava segura e “deixem-me passar, quero ver”, e vi, o chão a ficar cada vez mais longe, tudo a ficar cada vez mais pequeno, mas tudo a ganhar uma dimensão extraordinária. 

    Não consigo explicar a sensação que é, mas de todo o turbilhão de emoções que estava a sentir, havia uma calma que não conhecia. Um silêncio de paz e harmonia. Lembro-me perfeitamente nas primeiras aulas de físico-química quando a professora tentava explicar o que é o vácuo, que não é nada, “mas nada como?”, “não há nada, mesmo nada. Não há atrito, não há forças, não há nada, não se sente nada, não se ouve nada”. Não fossem as nossas constantes expressões de felicidade e o barulho da chama que nos mantinha ali e diria que estávamos no vácuo, sem som, sem atrito, sem forças, mas cheios de sensações! É uma descrição pobre, mas a única que consigo fazer para tentares perceber. 

    Felizmente já tive oportunidade de ver e viver algumas coisas únicas durante as minhas viagens, normalmente todas elas relacionadas com paisagens naturais. Foram as auroras boreais em Tromsø, o nascer do sol no deserto do Sahara, nadar num recife de coral nas Caraíbas, ver focas em habitat natural num lago cheio de icebergues na Islândia e, agora, andar de balão de ar quente na Capadócia. Aqui o sonho vive-se acordado. Esta foi das paisagens mais incrédulas que vi em toda a minha vida. De forma inconsciente, chegamos a questionar se estamos a ver algo real ou se é um cenário. A magia existe e eu vivi-a aqui. 

    E tudo ganha mais força com o nascer do sol... É incrível como é que apreciamos tão pouco algo que acontece todos os dias. O nascer do sol é o recomeçar de um novo dia e isso deixa-me sempre introspetiva quando o observo com a atenção que ele merece.  

    Por mais fotografias ou vídeos que vejas sobre a Capadócia não vais conseguir ter perceção do que isto é. Se a mais bela sinfonia tivesse um videoclip, podia muito bem ser aqui, onde os instrumentos vão a par e passo com o sobe e desce das dezenas de balões de ar quente. Neste dia, foram 165 os que subiram ao céu. Andámos a 4 mil metros de altitude, a sobrevoar vales recortados que não sairiam mais perfeitos se fossem esculpidos pelo melhor dos artistas. As experiências mais marcantes são aquelas que não conseguimos pôr em palavras e, lamento, esta fica aquém das minhas descrições. 

    Vi e vivi (n)um sonho. Quando pus os pés em terra não estava em mim. Só me apetecia saltar e saltar e saltar de tanta alegria. É caricato, porque este nível de felicidade é diferente de outras felicidades que nos vão acontecendo na vida. Este tipo de felicidade enche o corpo e a alma de tal forma que só o brilho dos olhos falam por isso. Este tipo de felicidade só o encontro em viagem. É sempre sentido em coisas que são maiores do que nós próprios. E há mais... Eu não cumpri apenas um sonho, eu superei um medo. Afinal, os sonhos são superiores aos nossos medos e às nossas inseguranças. Nunca deixes de viver com medo de não fazer. Vive sempre com a perspetiva de tentar. Podes não conseguir em todas as vezes, mas sempre que te superares o sentimento de recompensa é superior. 

    Às 7h45 da manhã estávamos a brindar. Fiz um grande txim txim à vida. Só desejo que seja generosa comigo e me permita continuar a viver estes momentos, com capacidade para saltar e saltar e saltar de alegria sempre que vivo algo assim. Há sempre a ideia que fazer determinadas coisas é só para os outros, também eu pensava assim. Agora já não. Eu também posso viver isso e tu, tu também podes! O que é que já fizeste hoje para cumprir os teus sonhos?

    Viajar é isto, superar-nos sempre mais!



        Aqui fica o meu especial carinho a quem viveu esta experiência comigo. Tudo ganha outra dimensão quando partilhado. Obrigada, companheiros <3



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