O dia em que me senti uma formiga no mundo

     




    maioria dos meus destinos são escolhidos consoante a oportunidade. Como quero viajar pelo mundo o mais que puder, grande parte dos países não têm uma ordem definida. Em 2011 fiz a última grande viagem com os meus pais. Inicialmente tínhamos em mente ir à Tunísia, no entanto, se bem se lembram, este foi o ano da Primavera Árabe e os países do norte de África e Médio Oriente estavam em revolução e/ou guerra civil.
    Como é natural nestas situações, quando o país retoma alguma estabilidade, as agências de viagem descem drasticamente os preços para impulsionar novamente o turismo. Foi o que aconteceu e optámos por aproveitar uma promoção para o Egito. A nossa viagem era em setembro e nessa altura os ânimos já estavam mais calmos. A cidade para onde íamos passar férias, Sharm el-Sheikh, também ficava a 500km do Cairo, por isso se começasse um novo motim estaríamos em segurança ou, até à data de partida, a viagem seria cancelada.  
    Tudo correu pelo melhor e felizmente tudo se manteve estável. Sharm el-Sheikh é uma zona costeira banhada pelo Mar Vermelho, com praias com recifes de coral perfeitas para os amantes do mergulho. Além de tudo isto, e pela influência do turismo, é um local onde a mentalidade já está um bocadinho mais aberta. Traduzindo isto por miúdos, os habitantes já não estranham a pouca roupa usada pelas mulheres ocidentais.
    Sofri um choque cultural em algumas situações. Nunca tinha visto mulheres de burca, principalmente a banharem-se assim numa piscina. Nunca tinha visto crianças com hijab. Na verdade, factos que advinham de nunca ter estado em contacto com o verdadeiro mundo muçulmano. Ainda assim, até ao momento nada tinha interferido comigo, isso veio depois...
    Como é óbvio, tinha de aproveitar a ida ao Egito o mais que podia e o principal interesse era ver as pirâmides de Gizé. Do hotel partiam excursões diárias rumo ao Cairo e, por cerca de 100€, acabámos por ir nessa aventura também. O bilhete incluía a viagem de autocarro, entrada no Museu do Egito, visita a uma fábrica de algodão e de papiro, almoço sobre o Rio Nilo, entrada nas pirâmides de Gizé e visita a Khan el Khalili, um dos mercados mais populares do Cairo. Todas estas atividades eram acompanhadas por um guia, o mesmo que nos tinha recebido e acompanhado ao longo da semana. Conquistei a confiança dele e sentia-me confortável em fazer-lhe todas as perguntas que surgiam e que me “inquietavam” sobre o país e a religião muçulmana, que ele mesmo pratica. No que diz respeito à nossa viagem ao Cairo, perguntei-lhe se não havia problema em ir de calções. Segundo ele fazia bastante calor nessa altura e, como referi, a viagem era feita de autocarro, praticamente 500km em pleno deserto do Sinai. Disse que não tinha de me preocupar com a roupa que levaria vestida que, tal como em Sharm el-Sheikh, era uma zona ainda mais turística e que os locais já estavam habituados às indumentárias femininas. 
    Durante o percurso, que foi feito durante a noite, fizemos inúmeros controlos policiais. Acordei pelo menos três vezes com alguém a pedir a minha identificação e passaporte. Um soldado armado, de outros tantos que estavam do lado de lá, em pleno deserto. Confesso que senti algum receio nas primeiras abordagens, depois explicaram que era resultado da Primavera Árabe e que o controlo era necessário. O mesmo se tornou percetível quando chegámos ao Cairo, onde ainda estavam vários tanques de guerra parados pela cidade. Fora isso, tudo correu dentro da normalidade. É realmente uma cidade incrível e o Museu do Egito é de deitar baba! Estava em pulgas para ver as grandes Pirâmides e a Esfinge, fiquei bem surpreendida quando me apercebi que não estavam rodeadas pelo deserto, mas que são bem visíveis logo a partir do centro da cidade. Basicamente, é atravessar um pórtico e lá estamos nós, num museu a céu aberto. Incríveis, como era de esperar! Mas, foi a partir dessa entrada que o meu susto começou...
    Primeiro, é verdade que tentam realmente trocar mulheres por camelos e não são apenas as loiras. Estávamos a tirar uma fotografia quando um senhor me puxa pelo braço e faz uma proposta pela minha compra. O resultado foi o senhor a puxar de um lado e a minha mãe a puxar pelo outro. Insistiu durante bastante tempo até que me consegui soltar e fomos imediatamente embora. Depois, não é verdade que seja indiferente andar de calções em toda a cidade do Cairo. Assim que passei o pórtico de entrada fui imediatamente abordada por dois ou três adolescentes que por ali vendiam pequenas lembranças aos turistas. Esses dois ou três rapidamente se transformaram em dez ou mais e começaram a seguir-me por todo o lado, sendo que um deles chegou mesmo a apalpar-me. Não conseguia largar o braço ao meu pai e estava realmente a ficar incomodada. Tiraram-me imensas fotografias e isso serviu para chamar a atenção de outras pessoas. Estavam certamente milhares de turistas ali, estavam dezenas de raparigas de calções ou com os ombros descobertos, mas posso afirmar que senti que estava num lugar ao qual eu não pertencia. Pensei por diversas vezes que no meio daquela confusão alguém me ia puxar e levar para longe, que os meus pais se iam tornar insuficientes para o que quer que fosse, que eu era realmente uma formiga neste mundo de 7 mil milhões de pessoas e que o ser individual pode ficar realmente reduzido a uma mera insignificância. Nunca me senti tão pequenina.
    Sei que não fui inconsciente nem violei algum princípio, mas percebo que nem  todas as culturas são iguais e isso faz com que tenhamos de nos proteger em algumas situações. Foi o que acabei por fazer, ao comprar um pack de lembranças, utilizei dois lenços que prendi nos calções e fiquei com uma espécie de saia. Mais ninguém fez caso de mim, mais ninguém deu pela presença das banalidades ocidentais. Não saí do mesmo sítio, continuava com os mesmos calções, apenas escondidos por dois pedaços de tecido. A diferença é que agora estava quase como elas.
    O Egito foi dos locais que mais me marcou. Talvez tenha sito até o “culpado” deste bichinho pelas viagens ter crescido tanto, precisamente para poder conhecer estas diferenças culturais. Não existem experiências más, nem esta, existem experiências que são isso mesmo, formas de aprendizagem. Estou ansiosa para poder voltar lá!





Comentários

  1. Adorei o Egito- também visitei com os meus pais já há uns 16 anos! Desejosa de voltar :)

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