O dia em que acordei uma pessoa a meio da noite



            
    O InterRail foi das maiores aventuras e das maiores experiências da minha vida. Se até num fim de semana fora acontecem mil e uma aventuras, imaginem durante 22 dias, enquanto estão a passar por 12 países... Podia contar uma peripécia de cada dia, certamente não ia faltar material para explorar (e prometo contar-vos muitas), mas vamos começar por uma que marcou a minha viagem. Esta aconteceu em Viena, na Áustria.
    Viena foi certamente a cidade que mais me encantou. Não há palavras para descrever esta cidade que parece saída de um conto de fadas em que nós, seres comuns, podemos vaguear nela e sentir que fazemos parte de uma outra época histórica. Sinceramente, estava à espera do momento em que apareciam os guardas reais montados a cavalo, o pajem saia da carruagem e, no meio da praça central, anunciava a chegada da realeza. Ok, deixemo-nos de devaneios...
    Tudo isto para dizer que logo que pus o pezinho fora da estação de comboios, percebi que os dois dias que tinha destinado para conhecer a cidade não seriam suficientes. Muito bem, decisão tomada e validada, fiquei mais um dia. Foi necessária uma pequena alteração na rota: em vez de passar um dia e uma noite em Veneza, só podia ficar lá meia dúzia de horas e ir diretamente para Roma. Fora isso, só tinha de prolongar a estadia mais uma noite. O meu hostel estava lotado, mas gentilmente encaminharam-me para outro da mesma companhia, quatro euros mais barato até (uauuu!!!).
    Bom, vamos ao que interessa. Digamos que dormir em camaratas é uma aventura por si só. Nunca sabemos quem são as pessoas que vão partilhar a divisão connosco, que hábitos têm e, mais importante que tudo, que odores transportam ou ruídos fazem durante a noite. E era aqui que queria chegar!
    O quarto tinha capacidade para 10 pessoas. Quando me fui deitar, apenas estavam mais quatro, entre elas uma australiana fala-barata que andava a percorrer a Europa sozinha e tinha acabado de chegar do Ocktoberfest. Fizemos um bom tempo de conversa mas cada uma recolheu ao seus aposentos que, na verdade, eram o mesmo espaço. Acordei por volta das 4h da manhã. O quarto estava completo. Um barulho ensurdecedor latejava na minha cabeça. O que era aquilo? Podia alguém ressonar daquela maneira?! Aparentemente podia e estava mesmo em frente à minha cama. Meti a cabeça debaixo da almofada e estava tão cansada que pensei que ia adormecer imediatamente. O barulho não desaparecia nem atenuava. Parecia até estar mais intenso. Oh meu Deus, o que fazia agora? Como uma criança rabugenta que precisa de fazer oh oh, virei-me mil vezes de um lado para o outro. Era impossível adormecer. E acreditem, durmo facilmente e em qualquer lugar. Pensei muito sobre a situação e quais seriam as soluções possíveis. Basicamente tive 10 segundos de pura estupidez em que me levantei rapidamente como se fosse para a guerra e decidi acordar o senhor.
    Acordar alguém é sempre uma tarefa fácil e generosa, principalmente aqueles que não conhecemos. A abordagem dos primeiros segundos foi soft. Comecei por ‘Sir. Sir. Sir. Sir. Sorry sir. Sir. Sir. Sir.’ Como não houve sequer um pestanejar de olhos, parti para a segunda abordagem: o toque. Ora então quem gostava de ser acordado por uma desconhecida que lhe está a abanar a perna e a dizer que está a ressonar muito alto? Quem? Eu? Não, de certeza que não... O resultado disto foi o senhor saltar da cama como se também ele fosse para a guerra e começar ao murro e ao pontapé, literalmente, sem parar e de forma consecutiva: um braço à frente, estica a perna, outro braço à frente, estica a outra perna. Sorte a minha que ele estava com os movimentos lentos e me consegui desviar.
    O senhor parou quando se apercebeu que eu estava à gargalhada. Respirou fundo e pediu desculpa por me ter tentado agredir. Não me devia também ter desculpado por o ter acordado? Devia, mas não conseguia parar de rir. Disse que estava a ter um pesadelo em que o estavam a tentar assaltar e eu era o “bad guy” (pudera). Pediu para começarmos do início e apresentou-se, recordo-me apenas que era professor. Disse-lhe como me chamava e de onde era, mas fiquei com a dúvida se tinha percebido bem porque eu continuava às gargalhadas. Achei que o melhor era deitar-me. Já estava a chorar de tanto rir. Tentei acalmar-me e o primeiro pensamento que tive foi que de manhã tinha de sair do quarto antes de ele acordar. Obviamente isso não aconteceu. Quando estava quase pronta ele acordou, lembrava-se do meu nome e perguntou novamente porque é que o tinha acordado. Não consegui responder. Saí a rir.
    Esta é das minhas histórias mais hilariantes e tenho a certeza que também ficarei para sempre nas memórias daquele pobre senhor. Podem desvalorizar este episódio, mas imaginem-se a ir abanar a perna de um desconhecido para tentarem retomar o vosso sono, ou então, ponham-se no lugar do senhor e pensem na vossa reação ao ser acordados por uma maluca, como eu.

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Comentários

  1. Muito bom! Se acordar um “amigo” já acho um incómodo, imagino um desconhecido. No entanto, fiquei fom aquela vontade de viajar e partilhar um quarto com gente que nunca vi na vida, porque esses momentos “embaraçosos” são os melhores para serem recordados!

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    1. Já viste que acordar um desconhecido não é boa ideia😂 mas tens toda a razão! Partilhar um quarto com desconhecidos é sempre uma ótima experiência. Se me disserem se prefiro um hotel ou um hostel, um hostel! Só isso faz a diferença na viagem!

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