17 dias na Coreia do Norte

Eles por Lá - Ep.1

       Esta é a nova categoria do Blog 100 fronteiras. Aqui vão ver entrevistas com histórias de viagens pouco comuns, insólitas ou que pelo seu contexto são experiências únicas. Aqui, vão ver o mundo de outra forma e não podia começar de outra maneira. Um sítio onde tantos desejam ir, mas tão poucos conseguem entrar. Bem-vindo ao primeiro episódio do “Eles por Lá”:

17 dias na Coreia do Norte




A Rita Cipriano tem 25 anos e já visitou 24 países. A viagem que mais a marcou foi ir à Coreia do Norte.

(Essencial da entrevista abaixo do vídeo)

(Ver em HD)


Blog 100 fronteiras: Rita, como é que foste parar à Coreia do Norte?

Rita: Esta viagem começou numa conversa ao jantar. O meu pai tem um coro e disse que gostava muito de ir fazer concertos à Coreia do Norte. Eu disse que tinha estado a ver um documentário e que havia uma pessoa de lá que está na Europa. Disse que ia tentar entrar em contacto com ele. Encontrei-o através do Facebook, e pus o meu pai em contacto com ele. Começou tudo aí.
A ideia inicial era ir o coro à Coreia do Norte, mas dado que logisticamente é uma coisa mais complexa, eles sugeriram que numa primeira visita o meu pai fosse convidado a dirigir algumas obras. Ele podia levar uma pessoa e eu fui a feliz contemplada.

Blog 100 fronteiras: Como conseguiram entrar no país?

Rita: Recebemos a carta-convite do Governo e a partir desse momento foi preciso apenas enviar o passaporte para uma embaixada em Roma, já que em Portugal não há nenhuma embaixada que represente a Coreia do Norte. Nessa parte até acabou por ser tudo muito fácil, uma vez que o convite oficial do Governo dá-nos entrada direta no país.

Blog 100 fronteiras: E o que é que encontraste quando chegaste?

Rita: O primeiro impacto que tive foi como uma daquelas imagens que nós vemos dos militares. Ainda na manga do avião estavam três militares fardados, com o pin com a cara dos líderes. (O aeroporto de Pyongyang) é recente, muito pequenino, mas novo. Só está aberto uma vez por semana, que é quando há voos para a Coreia do Norte. Quando cheguei fui buscar a minha mala e tive de declarar tudo o que levava. Pediram-me automaticamente os telemóveis, computador e passaporte. Eu dei tudo. Nisto aparece o meu guia da Coreia do Norte. Levantámos os telemóveis e o computador, mas ficámos sem os passaportes. Entretanto o aeroporto fecha. Agora só volta a abrir quando voltar a chegar um voo a Pyongyang ou quando sair um voo.

Blog 100 fronteiras: Sentias abertura pela parte do guia para fazeres as perguntas que querias ou tinhas de ter algum cuidado?

Rita: Senti. Nos primeiros dias tentei perceber até onde podia ir. Eles são extremamente curiosos e querem saber tudo o que se passa no mundo, então aproveitava isso para depois perguntar como era ali. Não sei se aquilo que ele me respondia era verdade ou mentira, mas conheci pessoas lá que me contaram determinadas coisas muito assustadoras.

Blog 100 fronteiras: O que é que te assustou?

Rita: Assustou-me saber que no caso de eu e o meu pai termos um comportamento menos correto, que o meu guia podia ir para o norte do país trabalhar num campo e que nunca mais teria vida em Pyongyang. Assustou-me saber que estava a ser constantemente ouvida, que tinha microfones em todo o lado, câmaras não sei.

Blog 100 fronteiras: Esse é um dos exemplos em que o controle está em todo o lado...

Rita: A 100%. O impacto não foi maior porque já tinha lido muito sobre a Coreia do Norte e estava preparada para algumas coisas, como ficar sem passaporte. Sei que as minhas chamadas que fazia para Portugal a partir do telefone do hotel também eram gravadas.

Blog 100 fronteiras: Como é que achas que é o modo de vida deles? Conseguiste perceber se é real ou se é encenado?

Rita: É muito difícil perceber. O meu guia disse que tinha uma vida completamente normal, como a maioria dos cidadãos tem. Eu via muita gente na rua, para ir trabalhar, a consumir nos quiosques, a apanhar transportes e eu estive lá 17 dias e isso não pode ser sempre encenado. Concordo que uma coisa ou outra possa ser, mas isso não.

Blog 100 fronteiras: Há um momento chave da tua viagem, que é quando vês o líder Kim Jong-un. Como é que foi esse momento?

Rita: É indescritível, não consigo explicar. Esse dia foi muito intenso. Comecei o dia por visitar o Palácio do Sol, que é onde estão os dois corpos dos dois antigos líderes, Kim Il-sung e Kim Jong-Il, embalsamados. Tive a oportunidade de fazer esta visita, porque o meu pai estava lá numa condição especial, um turista normal não pode fazer. À noite fomos convidados para ver o espetáculo do ballet chinês, um momento histórico de aproximação com a China. Eu estava a falar com um outro guia e de repente a expressão fácil dele muda radicalmente. Era o líder. As pessoas levantaram-se, começaram aos gritos e a bater palmas, de uma forma muito coordenada e as expressões daquelas pessoas não podem ser encenadas. Toda a gente diz que eles são obrigados, não, eles podem ser educados, mas aquilo que eles sentem é verdadeiro. Foi arrepiante. Qualquer pessoa ali morria por ele e disso não tenho a menor dúvida.

Blog 100 fronteiras: O culto ao líder também é visível nos espaços públicos...

Rita: Em todo o lado. Ao passares nas lojas vês os retratos lá dentro, vês pinturas nas paredes, estátuas... Eu tive oportunidade de ver as duas grandes estátuas de bronze e é impressionante. O meu guia disse que como era mulher para me aproximar, levar flores e fazer uma vénia (uma prática comum). Logo depois de fazer a vénia, quando levantei a cabeça, olhei para cima e é uma imagem que se perde de vista. (O culto ao líder) Está de tal maneira bem feito que, durante um concerto, eu dei por mim a bater palmas quando foram projetadas as imagens dos líderes, já sem ser por imitação. Vi as imagens e o meu cérebro assumiu que era para bater palmas.

Blog 100 fronteiras: E a que situações assististe que não são como verdadeiramente se pensa?

Rita: Fala-se que há um boicote a nível de marcas na Coreia do Norte, isso é mentira. Eu vi todas as marcas lá. Nunca pensei que ia encontrar Ice Tea na Coreia do Norte, por exemplo, e o meu guia vestia-se com fatos de grandes estilistas italianos. Isso fez-me pensar que metade das coisas que eu li são mentira. Outra coisa são as fotografias e os vídeos. Eu fotografei e filmei tudo aquilo que eu quis. Só houve uma vez que ele me pediu para ter cuidado, que foi quando visitámos os jardins do Palácio do Sol e ele pediu para não cortar partes do retrato.

Blog 100 fronteiras: Qual foi o teu maior choque cultural?

Rita: Foi o culto ao líder, a forma como eles o admiram e eu ter de integrar isso. Porque em qualquer estátua ou qualquer pintura eu tinha de fazer uma vénia. No fundo enquanto eu estive lá tive de idolatrar o líder deles como eles. Tu nem sequer questionas. Ele (guia) diz para fazeres uma vénia e tu fazes, diz para ires pôr flores, que é um hábito muito comum, e tu pões.

Blog 100 fronteiras: Se tivesses oportunidade, voltavas lá?

Rita: Voltava, sem dúvida. Espero poder voltar a ter essa oportunidade, ver as coisas novamente e ter outras experiências que agora não tive.

Blog 100 fronteiras: Achas que vais encontrar mudança?

Rita: Não sei. Há coisas que se não consegui agora, duvido que vá conseguir depois. Tive uma relação muito boa com o meu guia e se ele não me deu oportunidade de fazer algumas coisas é porque elas não eram mesmo alcançáveis.



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